Monday, October 8, 2018

Com quantos punhos fechados se faz uma revolução?

Galatea of the spheres - Dalí

Era só mais um dia comum em Bellhell, nada de mais mesmo, seu moço, vá por mim! Só é triste perceber que a cada fim de tarde menos crianças brincam nas ruas e há menos gente sentada em frente ao portão, apreciando o vagar do tempo e as coisas que vem e vão. Mas o Outro que é em mim, sempre me sussurra no pensamento, ecoa direto na mente - que também sente! - o porvir da ideia que jaz antes mesmo de ser: Escuta a canção que o vento te sopra, só ela irá te salvar; no horizonte a sombra do inimigo já cresce...

Mudança rápida, no clima da cidade e no ânimo de quem (sobre)vive nela. No céu as nuvens são mar de cinzas. Será a benção da chuva de verão ou os ventos do kaos, que trazem o mal entranhado em cada um que se omite - e assim também permite - o retrocesso aos dias em que éramos uma gente que vive e respira sempre sob a mira? Esses mesmos ventos já sopravam e traziam de volta o cheiro morto dos esqueletos e dos fantasmas que estavam trancados no armário da inglória memória de sessenta e tantos.

No ônibus a caminho do ato - grito isolado contra o porvir horrendo que pode tomar conta de nossas vidas -, a tensão que paira e deixa a realidade mais lenta, vai dando lugar ao brilho estranho do último dos males a ficar preso no jarro daquela que se negou a ser subjugada pelo tirano do Alpha homérico. Elas se reconhecem pelas indumentárias que ostentarão quando chegar a batalha e os sorrisos retornam aos olhares dos que não esqueceram que o demasiado humano ainda há de vencer.

Já em São Brás, nos arredores do mercado - figura clássica e tombada que denuncia os horrores e a decadência de uma memória curta e esquecida - os gritos e canções são milhares. Minas e monas são parte de uma turba que acordou já pronta para resistir. Mas ah! que seria do mundo sem a força que elas demonstram? São todas e muitas e hoje tudo é delas. Brancas e pretas, amarelas e azuis. Lisas e crespas, carecas até! Jovens e velhas, magras e gordas. São uma entre muitas e todas uma só: Gaia mãe-filha da Terra!

Até o clima se rende aos cantares em marcha. O Sol começa a ganhar espaço por entre as nuvens, vazadas pela ponte arco-íris, que levou a chuva para longe dali. Bifrost é o caminho por onde cavalgam as mulheres guerreiras. Valquírias, amazonas, icamiabas... A sombra do inimigo é gigante no horizonte, mas infinito é o desejo delas todas de seguir. De sonhos em punho e bandeiras ao vento, desistir para elas nunca foi uma opção. O lema é o do filme em que herói vira vilão: “Retroceder nunca, render-se jamais!”

Parado em uma das esquinas da José Bonifácio, assisto a todas seguindo em frente. Milhares de cores, de brilhos e vozes; Marias-flores que cantam e resistem aos fortes ventos de um futuro que rosna ameaças. A noite vem caindo e brilham mais os olhos aqui na terra que as estrelas que despontam no kaos longínquo de um céu que continua sendo muito distante...  






Tuesday, September 18, 2018

A injustiça que os cega

Pietá - Emeric Marcier

Nem bem raiou o dia e Bellhell já é uma balbúrdia hostil ao recém desperto, como eu. Berra mecanicamente o despertador, uivam os caminhões de lixo do estacionamento aqui atrás, com suas buzinas de ré ou coisa que o valha e as crianças que chegam à escola aqui em frente ao prédio, gritando e dando risadas (como podem ser tão barulhentas a esta hora da manhã?!).

O nada tênue amarelo do sol matutino que invade o quarto pela janela, ignorando as cortinas blackout, é particularmente torturante para minha hipersensibilidade à luz. Posso soar neurótico – da guerra do existir/resistir no dia após dia –, mas nunca confiei em alguém que é feliz antes das oito da manhã, me julguem.

Já no elevador, ainda letárgico pelo efeito da Areia dos sonhos – Sandman não me trouxe um sonho esta noite –, meu olfato é agredido por um perfume forte que não identifico (nem pretendo), e que causa uma revolução armada em meu estômago ainda vazio. Todos os “bons dias” que recebo pelo caminho, seja do morador que desceu comigo pelo elevador, do porteiro ou da senhora da limpeza que cruzou meu caminho, são respondidos no modo “autômato ad eterno”.

As filas de carros a perder de vista do trânsito na Marquês são a melhor representação do comportamento de “efeito manada” que configura nosso cotidiano no século XXI. Mas há algo de errado na frente da padaria, que deixa parado o rebanho mecânico: viatura da polícia, carro da imprensa, multidão arrebanhada ao redor.

O grito de dor sobrenatural daquela mulher – rasga mortalha da realidade – interrompe o fluxo real do tempo. Cena que desperta fúria e lamúria paralelamente. Abraçada ao menino caído, cercada pelos agentes da lei, que vestem uniformes de batalha e usam as armas do cidadão de bem para fazerem o que bem entendem, mais uma mãe terá que contrariar o fluxo natural da vida.  A senhora deve ser mesmo cega, dona Justiça.

Link ao vivo do repórter para explicar o quê não faz sentido. Pessoas ao redor filmam tudo com o olhar de abutre sedento das câmeras dos smartphones e proferem as mesmas falas de sempre: “Não devia ser coisa que prestasse esse aí”, “Um bandido a menos”, “Da baixada nunca saiu nenhum santo”. Quando ouço tudo aquilo, só consigo pensar que já te pedimos piedade, Senhor, mas as pessoas continuam caretas e cada vez mais covardes.

Enquanto revistam a mochila do garoto, que estava no lugar e hora errados, que correu quando foi ordenado que parasse, e cometeu o imperdoável crime de nascer preto e pobre, encontraram as únicas armas que podem salvar esse país da marcha para o abismo: caneta, lápis e os cadernos da escola.

Desvio minha atenção quando um senhor que sai do meio da multidão passa por mim. Caminhando com auxílio de uma bengala, usa um chapéu de abas largas, roupas todas brancas, com exceção da camisa vermelha que vai por dentro do paletó. Passa ao meu lado e o Outro que há em mim ouve sua voz sussurrada dentro da minha cabeça: “Fique tranquilo que em ano de Badé a justiça não falhará”.

O dia está ensolarado e o céu limpo, mas juro que ouço um trovão. Um arrepio estranho me desce a espinha e toma conta de todo o corpo. Olho para trás e o senhor já não mais é naquela direção. Seguiu e sumiu, com o kaos que rege o que somos todos os dias...







 





Thursday, August 16, 2018

Resiste na raça

Salvador Dalí: Sentimento


Aqui do alto, o Outro que é em mim continua a observar e sequer sabe como ou porque a maioria do que se passa no magikaos cotidiano de Bellhell acontece. Nos menores detalhes do dia-a-noite estão as coisas que mais nos assombram/alumiam e, do nada (que também é tudo), voltamos a aprender com o que de mais simples testemunhamos.

Da sacada do apartamento, trilha sonora de fundo o rugido dos dragões/caminhões laranja que mastigam e devoram o lixo da cidade inteira, o forte vento leste traz o odor de sobras, que acaba depois suplantado pelo cheiro da chuva, anunciada no cinza-chumbo do lindo céu de mais um fim de tarde. É quando um outro som me chama atenção e faz olhar para baixo.

As gargalhadas e gritos vem das crianças que brincam e correm no pequeno e colorido labirinto de brinquedos do parquinho que foi construído próximo ao muro nos limites do condomínio. O grupo nem é tão grande assim, mas a algazarra que fazem é considerável, se querem saber. Correm, pulam, escorregam e caem por todos os lados, enquanto as mães, ocupadas demais com seus smartphones, delegam a vigília às babás.

Mesmo sob o olhar atento das "nanas", escapa uma cena que me parece um triste reflexo dos tempos conturbados e extremos em que vivemos. Toda vez que uma linda menininha negra, de tranças presas no alto da cabeça em um coque afro, tenta brincar com as outras crianças, elas correm para longe dela aos risos. Isso acontece umas duas ou três vezes, até que ela para de tentar e senta sozinha em um balanço.

Os adultos presentes ou não ligam para o que veem ou dão risada, como se aquilo não passasse de mais uma brincadeira à toa, coisa de criança, sabe como é?! Me pergunto se somos mesmo cruéis desde pequenos ou apenas replicamos comportamentos destrutivos de forma inata? Se somos a imagem e semelhança Dele, vai por mim, é do Velho Testamento que estamos falando, meu chapa!  

Sem saber o que fazer enquanto presencio a cena, sinto vontade de dizer-lhe que vai ficar tudo bem, que as coisas vão melhorar, mas já não tenho certeza disso há muito. São tempos sombrios e perigosos para os que ainda tem fé na humanidade. Estamos imersos demais nesse turbilhão de ódio, confusão, lema dos dias: cada um por si e todos contra todos.

A chuva começa a cair. O som das gotas atingindo os telhados começa a aumentar trazendo uma espécie de urro ritmado. Será o vento somado ao som dos trovões? Parecem... atabaques... Todas as crianças, mães e babás correm para se abrigar, menos a linda garotinha negra. Ela olha para o céu e sorri. Sente que está sendo abraçada, acolhida.

Nossos olhares se encontram e depois ela desvia novamente para os céus. Fico curioso e levanto também meu olhar. O que são aquelas nuvens brancas misturadas às nuvens de chuva? A luz do Sol começa a atravessar, um relâmpago clareia tudo e ela surge. Chame como quiser: Gaia, Iansä, Deus-mulher.

Lembro... do... futuro...? Mas lembrar é só o passado? Isso é sonhar ou delirar? Vai saber! Turbilhão de imagens, plano-sequência. Ela não mais é menina e sim jovem mulher de longos cachos ao vento. Lutas, amores, decepções, alegrias, mais lutas e multidões. Faculdade de Direito - direitos humanos para humanos esquerdos?! - choque de frente com a tropa.

Punho cerrado, palavras na desordem. Mais um estudante caiu e continua presente. Política de poucos a oprimir muitos. Estampidos e gritos. Balas de borracha, que apagam vidas e sonhos - mas “não desiste, preta, não desiste!” - se Martin teve um, temos em nós todos os sonhos do mundo!

Outro trovão me traz de volta. O céu está abrindo, mas a chuva continua batendo de frente, mal notei que havia me molhado. Lá embaixo ela continua a correr e brincar, se molhar faz mesmo um bem danado. Há uma mulher com ela ou é impressão minha? As duas cirandam de mãos dadas enquanto a água continua a cair. Meus olhos cheios d'água. Será da chuva? Sonho e kaos sempre de mãos dadas...  







  









  

  







Monday, August 13, 2018

Alguns trocados de magia naquela esquina

Josephine Wall: Captura del deseos

Idas e vindas Bellhell do céu! Não escolha seu caminho com sabedoria, apenas deixe-se ir/fluir e sinta como o Outro que é/está em ti pode entender muito mais do que seus olhos podem ver ou seus ouvidos conseguem ouvir. Um sol para cada um, lei máxima do mês de julho na capital onde o rio-mar carrega em suas correntezas almas e destinos.  

Uma ida ao posto de gasolina, para comprar mais "golpes de sorte de filtro vermelho". Na caminhada de volta para casa, travessia na faixa, caminhos que se cruzam. Aos pés do Grande Ben, símbolo de um império de outrora hoje em ruínas, mais precisamente na encruzilhada da travessa Humaitá com a Pedro Miranda, uma venezuelana implora por migalhas/trocados cercada por seus niños. Me pergunto se aquela senhora esteve ali esse tempo todo.

Como posso não tê-la visto na caminhada de ida? Sentada ali, num calor opressor, vento e mormaço de chumbo. Aquela figura de uma força esplêndida, marcada em cada ruga do rosto moreno e sofrido. Rugas que ilustram os caminhos tomados até ali, fugindo do Cavaleiro Fome e de um país destroçado pelo regime de homens armados até os dentes, que se alimentam dos sonhos de um povo e nele vomitam miséria. 

Jornada infausta até aqui. Uma sacola gasta de pano nas costas, pertence algum senão algumas roupas e o sopro de vida. Companheiro de vida segurando sua mão, na tristeza e na tristeza até que a morte os separe. Seus niños vem junto, cruzando fronteiras, poeiras, rios.

Quando meus olhos leem o tosco cartaz de papelão que ela segura, em que está escrito com uma letra de forma muito caprichada, que ela precisa de algum dinheiro para comprar comida, a Força guia minha mão para o bolso esquerdo da bermuda. Uma velha nota de R$5 que sequer sabia que tinha, o pouco que para muitos como aquela senhora é o tudo daquele dia.

Entrego-lhe o dinheiro e ela me sorri com um "Gracias". É quando dois sujeitos passam por nós fazendo comentários sobre os estrangeiros que são a nova praga que se alastra pela cidade, trazendo consigo doenças e todo tipo de sujeira. Rosnando que o (des)governo devia fazer algo à respeito.  

Sei que ela não entende o que eles diziam, mas sente a força do desprezo que a ignorância é capaz de conjurar. Um deles empurra uma das crianças dela, que brincava com os irmãos na calçada. O tempo se transforma, se distorce e um átimo de segundo dura para sempre. O olhar daquela mãe atinge o sujeito com uma lufada de vento mágika. A luz do sol me cega e, ainda assim, consigo enxergar projetando-se acima dela uma uma entidade ancestral, de cabelos longos e negros esvoaçantes e olhos de um brilho cósmico/kármico. 

O sujeito tropeça e cai, batendo a cabeça e ficando desacordado. O amigo em desespero tenta acordá-lo enquanto várias pessoas vão se juntando para ver o que se passa. Olho para a senhora assustado e recebo de volta o mesmo sorriso de antes. Então o vento-kaos sussurra nos ouvidos d'Outro que há em mim: "Crea en las brujas, las hay". Deixo escapar uma risada e sigo meu caminho... 










Monday, May 21, 2018

Vidas encruzilhadas

Celso Gitahy: Em trânsito

Todos estamos sempre em trânsito. O outro, que é em cada um, está sempre em movimento ainda que parado. A mente vagueia pelos mundos e universos que são os nossos ou não. Será que isso explicaria o que aconteceu com ele quando abalroou o carro?

Há apenas uma lei que rege, desde sempre, o trânsito de Belhell: a lei do mais estúpido. Quantos já não tombaram na guerra infernal que é o tráfego desta cidade? As cores mais comuns são o cinza e o vermelho. 

Como culpar um caminhoneiro que trabalha dezesseis horas por dia, ou mais do que isso, sabe-se lá quantos dias na semana - de sol a sol nem é mais uma questão - por não ter olhado para o retrovisor? Pensamento longe/onde na mulher que ficou em casa com os filhos, contas a pagar, fluxo de vias, rodovias, pedágios, outras contas a pagar, mais uma carreira cheirada para não apagar, de cansaço, ninguém é de aço, ou é?

O rugido furioso do motor velho daquele caminhão prenunciou o choque.Carregado com sacas de cimento, ou coisa que o valha, pesada o suficiente para deixar a carroceria baixa, pendendo para a esquerda. A fumaça com cheiro de morte que sai do escapamento enferrujado, Zéfiro faz entrar pelas janelas do carro, formando uma cortina densa de fumaça negra que sufoca o casal dentro do Pálio.

Não parece injusto que o último cheiro que alguém sentirá em vida seja o de borracha queimada e óleo diesel, diante da quantidade infinita e maravilhosa de perfumes que há? Na encruzilhada de vida e morte da Dr. Freitas com a Senador Lemos três faixas que se encontram em uma curva decidem o destino do casal que estava naquele carro e também do caminhoneiro.

Estranha encruzilhada em que ruas unem-se em um único fluxo, como os veios que se encontram para formar um só grande rio, Estiges. A imagem de Caronte, o barqueiro, me vem à mente enquanto estou atravessando a faixa de (in)segurança quando a cena ocorre. Antecipo o que virá e ergo as mãos, tento empurrar o carro do casal para longe. 

Penso muitas coisa naquele átimo de segundo. "Onde estão meus poderes telecinéticos quando preciso?"; "Não há lugar como o nosso lar."; "Vocês podem voar, porquê eu acredito em fadas."Na Estrada da Fúria ou você luta ou morre." Fecho os olhos, não quero ser mais uma testemunha. O horrível som já será suficiente para causar pesadelos e sonos intranquilos por um bom tempo.  

Então ali, ainda com os olhos fechados, continuo esperando pelo som da colisão. E o silêncio da espera é mais agoniante do que o som que nunca pude ouvir. O Outro, que é testemunha de tudo, segue no terrível transe/trânsito dos dias...   

Saturday, May 12, 2018

O mormaço dos dias

David Daruelle: Dionísio

O Outro, que é cada um de nós, está sempre à espreita. Ele observa as pessoas que vem e vão, de lá para cá. Observa os carros que passam, de cá para lá. Quantos acontecimentos mágicos não passam despercebidos diante de nossos olhos? Tente se conectar com as forças que o cercam no dia-a-dia e verás muito mais do que podes perceber normalmente.

Dia quente em Bellhell é quase redundante. Aquele Sol que te faz suar logo depois de sair do banho; que faz o mormaço subir do asfalto em ondas de calor sufocante. Sigo para o trabalho. São seis quarteirões até a parada de ônibus mais próxima, passando pelo meio da feira da Pedreira. Muitos sons, muitos cheiros, muitas pessoas.

Esperando pelo ônibus, sob o toldo de uma venda qualquer de açaí, uma senhora se aproxima para pedir informação. Ela quer saber que ônibus pode pegar para ir até a catorze de Março. Digo-lhe que ali não há nenhum coletivo que sirva., mas que ela pode andar para a avenida Pedro Miranda e pegar o Pedreira-Nazaré. 

Ela então se afasta depois de um tímido "obrigado". Noto que olha para trás um pouco assustada. Talvez o pedido de informação fosse apenas um pretexto para se afastar do homem que estava ao meu lado e eu sequer havia notado. Um senhor de aparência maltratada e cansada. Barba por fazer e a pele morena envelhecida pelo excesso de sol. Vestia umas roupas gastas e levava consigo uma sacola de estopa cheia de latinhas ou qualquer coisa do tipo. 

Exalava um cheiro rançoso de suor que afastava todos os que estavam esperando pelo ônibus. Falava como se conversasse com quem quisesse ouvi-lo. Dizia que as coisas não eram mais como antes. Que ninguém mais se importa com o "próximo". Tentou, mais de uma vez, puxar conversa com duas mocinhas que vestiam uniforme, provavelmente voltando para casa depois da aula. Todos preferiam não notá-lo. Era nada. Era ninguém.

Me olhou e então pude perceber algo diferente nele. Uma aura estranha que parecia refletir a luz do Sol. Apertei bem os olhos e balancei a cabeça, tentando entender o que via. Saber se era real. O homem parecia estar brilhando e ficando cada vez mais translúcido. Sorriu para mim e disse: "As pessoas nem sabem mais o que fazer quando alguém pede ajuda".

Foi então que ele andou para o meio da rua movimentada. Fez sinal para que o ônibus parasse, mas ficou parado em frente ao veículo. Tudo pareceu transcorrer com uma lentidão não-natural. Mal pude perceber o som da freada brusca do Satélite-Felipe Patroni misturado aos gritos de todos os que estavam na parada.

O motorista desceu desesperado. Pôs as mãos na cabeça e começou a tentar se justificar dizendo que não tinha como frear a tempo. Uma multidão se formou no local. Pessoas chorando por ter presenciado a cena apontando a culpa uns dos outros. Dizendo o que deveria ter sido feito ou não. Os menos sensíveis sacavam seus smartphones e filmavam tudo, para quem sabe, mais tarde, compartilhar nos grupos de whatsapp dos amigos ou da família.

Enquanto eu apenas olhava para o alto, vi o rosto sorridente do homem sendo levado pelo vento até desaparecer. Subia com as calorentas ondas do mormaço, em direção ao Sol. E o caos cotidiano segue, indiferente... 



  

Nas asas mágicas dos sonhos

  Mariposa-bruxa (Ascalapha odorata) – Imagem Canva Pró. "Eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem!",  dito popula...