Monday, February 26, 2024

Nas asas mágicas dos sonhos

 

Mariposa-bruxa (Ascalapha odorata) – Imagem Canva Pró.

"Eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem!", 

dito popular castelhano 


Elas sempre preferiram viajar à noite, longe dos olhares de incompreensão e de julgamento

Guiadas pela luz do Espelho da Deusa-mãe e saltando pelos rastros das estrelas

Belas e velozes tomam as formas de criaturas da noite que são  protegidas pelas sombras

Não voam em vassouras porque tem as asas da brisa noturna


Transmorfas elas mudam quando precisam, ora pássaros, noutras insetos

Mas sempre ocultas pela penumbra da noite, entre sonhos e ilusões

Então como, Elvina, acabastes perdida e presa, pobre borboleta-bruxa da noite? 

Fostes traída pelo inverno, não é assim? Os ventos mudam e as nuvens encobrem Luna e sua luz guia das crias da noite


Frágil e bela, acabou perdendo-se e pousou na parede de um quarto qualquer

E se esse for o lar de um dos que não enxerga a magia das coisas e queima o que devia encantá-lo?

Dos que estão presos no horror das crenças limitadas, que julgam e discriminam aquilo que não entendem


Se matam uns aos outros em nome daquilo que dizem ser deus, o que não farão contigo, filha da natureza?

Sei que ainda podes ouvir os gritos das milhares de irmãs que foram caçadas 

Que morreram queimadas nas fogueiras do ódio e da incompreensão de uma fé inventada e manipulada


A luz do quarto é acesa e agora pode ser tarde demais para ti

Um sujeito adulto para no umbral da porta do cômodo e olha fixamente para ti

Estás pousada e inerte, com tuas asas marrons contrastando com o branco da parede

O sujeito se aproximando a passos lentos, ergue os braços com as mãos espalmadas em tua direção


Sei que sentes o impulso de voar e fugir, mas também tem aquela aura emanando dele

A sensação de que ele não te fará mal algum caso venha a tê-la entre as mãos

E assim acontece quando tentas voar e ele apenas te segura tentando não machucá-la


Ele então caminha em direção à janela mais próxima do quarto, que está aberta e mostra o céu noturno que enfim parece estar abrindo, revelando as estrelas

Prestes a abrir as mãos e te soltar para o ar livre do manto da noite, podes sentir que ali há um dos que ainda veem e creem na magia que há nas coisas 

Um viajante dos sonhos, daqueles que fazem da jornada da imaginação um seu verdadeiro ofício 


Já livre no céu noturno, ouves ele dizer num tom de voz baixo e suave “voa, menina, voa; vai ficar tudo bem”

Teu bater de asas poderia causar um tsunami no outro lado do mundo, ao invés disso trará bons sonhos a quem te libertou e todos aqueles que ainda sentem a magia dos dias

Quem sabe não os encontre vagando pelo Sonhar e acabe inspirando histórias, canções ou mesmo poemas como este


J.K. Coutinho


 


 


Thursday, February 22, 2024

O medo do escuro em si

   
créditos da imagem: https://brasilescola.uol.com.br/fisica/buraco-minhoca.htm

    Da escuridão viemos ao nascer e pra lá voltaremos ao morrer. Afinal o escuro é o estado natural de tudo. Não fosse por esse satélite natural que faz as vezes de espelho refletir a luz do sol - que para muitos já foi ou ainda é um tipo de deus - sequer haveria diferença entre dia e noite. Seria sempre noite, assim como acontece no espaço infinito, a tal fronteira final. 
    E assim é a vida. Então porque tanto medo do escuro? Depois de tudo, comecei a entender melhor que esse medo é, na verdade, daquilo que o escuro pode acabar mostrando, e não do que possa estar escondido e vivendo lá.
   Outra noite comum do inverno amazônico, sabe como é, chuva fina e persistente. Então veio aquela náusea e a estranha sensação que arrepiou todos os pelos do meu corpo. Justo no mesmo momento em que tive um dos 'episódios' em que perco pedaços de mim, alguns fragmentos da minha memória. Coincidência? 
    Logo cedo vi no jornal algo sobre um fenômeno astronômico. Uma chuva de estrelas cadentes ou coisa que o valha. Então houve aquele 'pulso' que atingiu a cidade inteira e fez as luzes de Belém piscarem por uma fração de segundos. Mais uma lufada de vento que estremece as janelas e as paredes das casa. Deitei pra dormir, logo depois do episódio. Sonhei com uma lasca de estrela caindo do céu. 
    No dia seguinte teve aquilo: o bendito buraco que se abriu no asfalto, bem em frente à sorveteria que fica ao lado do condomínio onde moro. Um desses muitos buracos bem comuns que aparecem por toda a cidade nessa época de chuvas. O típico "buraco de engolir carro", como disse certa vez minha esposa. Sabe como é, aquele buraco que parece continuar crescendo e engolindo todo tipo de entulho que as pessoas colocam nele para sinalizar aos transeuntes que ali há um buraco.
    Mas algo ali me pareceu estranho quando passei ao lado pela primeira vez. Estava à caminho da farmácia. Era como se a escuridão desse buraco quisesse tragar tudo ao redor. E veio, então, aquela vontade bizarra de descer e ver até onde ia essa cratera de uma escuridão fosca. Poço sem fundo; buraco de minhoca; rasgo entre os universos; Túnel entre dimensões de tempo e espaço.
    Parado ao lado do buraco, com os olhos fixos no vazio. Mais um episódio em que me perco dentro de mim. Vou lá e pulo de uma vez. Alice caindo na toca do Coelho Branco. Dorothy tragada pelo furacão. Salto de Fé da ponta do mundo. Caindo, caindo, caindo. Não vejo nem ouço mais nada. Também não há cheiro algum. O todo é aquela escuridão e silêncio ao redor. Já não me sei mais. De volta ao estado natural das coisas não há mais porquê temer as ou o que há por trás delas.   


J. K. Coutinho
      
   
    
       
   

Nas asas mágicas dos sonhos

  Mariposa-bruxa (Ascalapha odorata) – Imagem Canva Pró. "Eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem!",  dito popula...