Thursday, February 22, 2024

O medo do escuro em si

   
créditos da imagem: https://brasilescola.uol.com.br/fisica/buraco-minhoca.htm

    Da escuridão viemos ao nascer e pra lá voltaremos ao morrer. Afinal o escuro é o estado natural de tudo. Não fosse por esse satélite natural que faz as vezes de espelho refletir a luz do sol - que para muitos já foi ou ainda é um tipo de deus - sequer haveria diferença entre dia e noite. Seria sempre noite, assim como acontece no espaço infinito, a tal fronteira final. 
    E assim é a vida. Então porque tanto medo do escuro? Depois de tudo, comecei a entender melhor que esse medo é, na verdade, daquilo que o escuro pode acabar mostrando, e não do que possa estar escondido e vivendo lá.
   Outra noite comum do inverno amazônico, sabe como é, chuva fina e persistente. Então veio aquela náusea e a estranha sensação que arrepiou todos os pelos do meu corpo. Justo no mesmo momento em que tive um dos 'episódios' em que perco pedaços de mim, alguns fragmentos da minha memória. Coincidência? 
    Logo cedo vi no jornal algo sobre um fenômeno astronômico. Uma chuva de estrelas cadentes ou coisa que o valha. Então houve aquele 'pulso' que atingiu a cidade inteira e fez as luzes de Belém piscarem por uma fração de segundos. Mais uma lufada de vento que estremece as janelas e as paredes das casa. Deitei pra dormir, logo depois do episódio. Sonhei com uma lasca de estrela caindo do céu. 
    No dia seguinte teve aquilo: o bendito buraco que se abriu no asfalto, bem em frente à sorveteria que fica ao lado do condomínio onde moro. Um desses muitos buracos bem comuns que aparecem por toda a cidade nessa época de chuvas. O típico "buraco de engolir carro", como disse certa vez minha esposa. Sabe como é, aquele buraco que parece continuar crescendo e engolindo todo tipo de entulho que as pessoas colocam nele para sinalizar aos transeuntes que ali há um buraco.
    Mas algo ali me pareceu estranho quando passei ao lado pela primeira vez. Estava à caminho da farmácia. Era como se a escuridão desse buraco quisesse tragar tudo ao redor. E veio, então, aquela vontade bizarra de descer e ver até onde ia essa cratera de uma escuridão fosca. Poço sem fundo; buraco de minhoca; rasgo entre os universos; Túnel entre dimensões de tempo e espaço.
    Parado ao lado do buraco, com os olhos fixos no vazio. Mais um episódio em que me perco dentro de mim. Vou lá e pulo de uma vez. Alice caindo na toca do Coelho Branco. Dorothy tragada pelo furacão. Salto de Fé da ponta do mundo. Caindo, caindo, caindo. Não vejo nem ouço mais nada. Também não há cheiro algum. O todo é aquela escuridão e silêncio ao redor. Já não me sei mais. De volta ao estado natural das coisas não há mais porquê temer as ou o que há por trás delas.   


J. K. Coutinho
      
   
    
       
   

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